A Faixa Azul em São Paulo: o que diz a avaliação técnica Independente.
Não houve redução detectável de sinistros atribuível apenas à pintura da Faixa Azul.

A Prefeitura de São Paulo ampliou nos últimos anos a implantação da chamada “Faixa Azul” — uma faixa preferencial para motocicletas posicionada entre as pistas mais à esquerda em avenidas arteriais — como resposta à elevada sinistralidade envolvendo motos. Uma avaliação técnica independente, realizada por pesquisadores vinculados ao Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável/Insper, usou bases de sinistros e técnicas econométricas modernas para verificar se a demarcação isolada trouxe efeito sobre o número de acidentes. O resultado principal é direto: no conjunto, não houve redução detectável de sinistros atribuível apenas à pintura da Faixa Azul no período estudado.

O estudo cruzou microdados de sinistros do sistema estadual com atributos das vias e mapeou ocorrências a trechos de cerca de 500 metros, cobrindo implantações entre 2022 e meados de 2024. A amostra analisada incluiu centenas de trechos tratados, permitindo comparações com grupos de controle que ainda não haviam recebido a intervenção. Para isolar efeitos causais foram usados desenhos de Diferença-em-Diferenças apropriados para rollouts escalonados e modelos Poisson/PPML que lidam com a natureza esparsa dos eventos de acidentes. Em linhas gerais, a metodologia buscou maximizar robustez: pareamento por probabilidade, controles espaciais e várias especificações foram testadas.

Tecnicamente, os resultados mostram efeitos médios próximos de zero para sinistros envolvendo motocicletas e para o total de sinistros nas diversas especificações principais. Em termos práticos, isso significa que a simples demarcação preferencial — apenas pintar e sinalizar a pista — não mostrou, por si só, capacidade de reduzir acidentes de forma consistente no horizonte observado. Para eventos raros, como mortes no trânsito, o estudo reconhece baixa potência estatística, o que limita conclusões firmes sobre esses desfechos.

Mais importante que o número agregado, o trabalho aponta heterogeneidades locais que exigem atenção operacional. Em alguns cortes das análises houve sinais de aumento de sinistros por quilômetro em trechos com maior densidade de interseções; embora esses achados não tenham sido consistentes em todas as especificações, eles indicam que a Faixa Azul pode interagir com o desenho urbano e os pontos de conflito. Ou seja: nem todas as vias respondem da mesma forma à mesma solução de engenharia.

Da leitura prática saem três lições claras para quem trabalha com fiscalização e engenharia de tráfego. Primeiro: demarcação isolada tem eficácia limitada. Pintar uma faixa sem complementar com fiscalização, controle de velocidade e intervenções geométricas não é suficiente para gerar ganhos de segurança detectáveis. Segundo: o desenho de detalhe importa. Em trechos com muitos acessos, conversões ou comércio a rua, é preciso projetar tratamentos específicos — prolongamentos, faixas de desaceleração, sinalização de acesso — antes de expandir a demarcação. Terceiro: a fiscalização é condicionante. Há hipótese plausível de que a sensação de proteção leve a comportamentos de velocidade ou de redução de folgas, o que pode neutralizar benefícios; radares e operações focalizadas são parte do pacote necessário.

Com isso em mente, a avaliação recomenda que a Faixa Azul seja tratada como um experimento controlado sempre que for implantada em novos trechos. Monitoramento contínuo — incluindo contagens de fluxo, velocidades médias e medições de comportamento de conversão — aumentaria a capacidade de diagnosticar mecanismos e de avaliar combinações de medidas (pintura + fiscalização, por exemplo). Modelos de rollout randomizado ou por blocos comparáveis também elevam o poder estatístico e reduzem contaminação entre trechos.

Para gestores, a implicação é administrativa e técnica: decisões de expansão não deveriam ser puramente normativas nem guiadas apenas por apelos políticos; precisam de critério técnico, baselining de indicadores e transparência nos dados para permitir reprodutibilidade e escrutínio externo. A disponibilização de bases de dados e scripts usados na avaliação facilita esse processo e deve ser estimulada.

A mensagem prática para quem atua na ponta da fiscalização é pragmática: a Faixa Azul pode fazer sentido como parte de um pacote de segurança, mas sua implementação isolada não substitui medidas clássicas de engenharia e controle. Antes de considerar uma implantação em larga escala, priorize trechos piloto com engenharia de detalhe, controle de velocidade e avaliação pré-definida — só assim será possível saber se a faixa funciona como pretendido ou se, sem complementos, ela gera pouco efeito ou até concentra conflitos em pontos críticos.

Em resumo — sem simplificações: a avaliação independente não encontrou evidência robusta de redução de sinistros pela demarcação isolada da Faixa Azul no período analisado, mas sinaliza caminhos claros para transformar a intervenção em uma medida potencialmente eficaz: integração com fiscalização, atenção às interseções e avaliações experimentais bem desenhadas. Esses são os elementos que profissionais de fiscalização e engenharia devem levar em conta ao deliberar sobre manutenção, reforma ou ampliação da Faixa Azul na cidade.

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